<i>LPM à la carte<br>a aquisição do Siroco<br> e as encenações</i>

Rui Fernandes

Foi apro­vada a Lei de Pro­gra­mação Mi­litar (LPM), com os votos a favor do PSD/​CDS, a abs­tenção do PS e os votos contra dos res­tantes par­tidos, isto de­pois de umas en­ce­na­ções de ge­o­me­tria va­riável. A abs­tenção do PS re­sultou, no es­sen­cial, de pre­tender ver ex­pli­ci­tado na LPM o pro­grama de aqui­sição do Navio Po­li­va­lente Lo­gís­tico. Mesmo com os de­pu­tados do PSD e do CDS a di­zerem que isso não era pre­ciso, porque a lei per­mite dispor das verbas, como diz o povo, à von­tade do fre­guês. Ou seja, o PS queria que fi­casse já claro a sua aqui­sição, na óp­tica de que, indo para o Go­verno, não teria de as­sumir essa opção e, so­bre­tudo, do que dela de­corre, porque o di­nheiro não é elás­tico. E esta foi a questão de fundo.

O PS con­corda e quer que o País gaste umas de­zenas de mi­lhões de euros num navio cuja na­tu­reza é a pro­jecção de força. Bem podem vir com a con­versa quanto a ou­tras va­lên­cias (eva­cu­ação, etc., etc.), tal como no pas­sado vi­eram com essa mesma con­versa, com outra pa­leta de ra­zões, no que res­peita aos sub­ma­rinos. Nin­guém ad­quire um Po­li­va­lente pelas ra­zões apon­tadas, tal como nin­guém ad­quire um sub­ma­rino, para mais como aqueles que foram ad­qui­ridos, para o com­bate ao nar­co­trá­fico ou à imi­gração ilegal.

Pelo meio destas en­ce­na­ções e fa­zendo parte delas, foi agen­dada uma au­dição ao Al­mi­rante CEMA e ao Ge­neral CEMGFA. Uma au­dição para ouvir o que já se sabia, ou seja, não há di­nheiro para as­se­gurar a ma­nu­tenção plena dos na­vios exis­tentes, mas venha lá o Po­li­va­lente; é muito di­fícil, mesmo im­pos­sível cortar no que está es­cas­sa­mente pre­visto manter, mas venha lá o Po­li­va­lente; não há di­nheiro para pagar sa­lá­rios no Ar­senal, au­to­rizem, por favor, um adi­an­ta­mento, mas venha lá o Po­li­va­lente.

Por­tanto, o nosso País pode vir a ter um Po­li­va­lente Lo­gís­tico para pro­jectar força, co­lo­cando-se a per­gunta: onde e ao ser­viço de quem?

Con­forme foi re­al­çado pelo PCP, desde o pri­meiro mo­mento em que esta LPM surgiu, esta era uma Lei que antes de o ser já não o era ou, como re­feriu, ci­tando, o de­pu­tado An­tónio Fi­lipe, esta LPM pa­rece uma cena dos Monty Python1. O pro­blema é que, para além dos altos custos para os bolsos dos por­tu­gueses (porque a con­versa ba­fi­enta dos co­fres cheios tem o des­tino en­cher os co­fres já cheios dos mesmos do cos­tume), pros­segue o rumo de não res­ponder a op­ções fun­da­men­tais para o in­te­resse na­ci­onal. Na ver­dade, a LPM apa­receu sem a res­pec­tiva do­cu­men­tação con­creta ex­pli­ca­tiva de cada pro­grama de re­e­qui­pa­mento e assim foi vo­tada, na ge­ne­ra­li­dade, pelo PS, PSD e CDS. Ao mesmo tempo que tal acon­tecia, sur­giram de ime­diato as no­tí­cias sobre uma pos­sível aqui­sição, aos fran­ceses, do navio Po­li­va­lente Lo­gís­tico por 80 mi­lhões, com todos os de­sen­vol­vi­mentos sub­se­quentes, os úl­timos dos quais cen­trados, por um lado, na ne­go­ci­ação para a baixa do custo para 60 mi­lhões (res­tando saber se por ou­tras vias – ma­nu­tenção, ou­tras aqui­si­ções in­du­zidas, etc. – o valor não fi­cará o mesmo ou até su­pe­rior) e, por outro lado, na opção de deixar de pro­mover a re­no­vação de na­vios (fra­gatas) exis­tentes, des­vi­ando essa verba para a aqui­sição do Po­li­va­lente. Pelo meio houve vi­sitas, não ofi­ciais, de de­pu­tados do PS, CDS e PSD ao navio quando ele es­teve em Lisboa, entre ou­tras ac­ções de en­ga­ja­mento para a aqui­sição.

Em todo este pro­cesso, re­gista-se ainda a afir­mação do mi­nistro Aguiar-Branco de que Por­tugal re­ga­nhou ca­pa­ci­dade para poder re­e­quipar as Forças Ar­madas. Uma afir­mação fan­tás­tica face ao es­tado em que se en­con­tram di­versos meios exis­tentes e se ti­vermos também pre­sente, como é pú­blico em di­versas no­tí­cias, os enormes pro­blemas de pes­soal para operar os meios exis­tentes. Face a este quadro, ló­gico pa­recia ser que as op­ções se cen­trassem em re­novar/​mo­der­nizar tudo o que fosse pos­sível e ade­quado, e em res­ponder às di­versas di­men­sões que se co­locam aos pro­blemas de pes­soal, seja no que falta ou está nos mí­nimos, seja no re­ju­ve­nes­ci­mento, seja no res­peito/​cum­pri­mento de as­pectos bá­sicos que en­formam a ins­ti­tuição mi­litar. Mas tal afir­mação do mi­nistro é também pe­ri­gosa, se ob­ser­vada do ponto de vista das con­sequên­cias desta po­lí­tica também para os mi­li­tares – corte de di­reitos, em­po­bre­ci­mento, etc., já que se pode ex­tra­polar que com­pete a cada mi­litar ab­dicar dos seus di­reitos, pou­pando, para dessa forma com­prar o equi­pa­mento mi­litar de que ne­ces­sita para cum­prir a sua missão. Se a esta afir­mação se juntar a do pri­meiro-mi­nistro de que a re­forma da De­fesa 2020 vai de­mons­trar a «re­le­vância e in­dis­pen­sa­bi­li­dade da De­fesa Na­ci­onal e das suas Forças Ar­madas», o quadro com­pleta-se. Fi­caram os mi­li­tares a saber que, por ora, essa re­le­vância e in­dis­pen­sa­bi­li­dade ainda não estão fir­madas. Se quanto aos con­teúdos desta po­lí­tica nada se es­pera, pelo menos um pouco de mais tino não fi­caria mal.

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1 Grupo de co­média bri­tâ­nico que foram os cri­a­dores da série có­mica Monty Python




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